terça-feira, 11 de setembro de 2007

Coleção

Não tinha salvação: Ele era um aficionado. Havia um em cada canto do seus armários. Sim, "seus" armários. Ele tinha mais de 5, separava cada um para um tipo de cabide. Os cabides eram dos mais diversos tamanhos e das mais variadas cores e modelos. Seu xodó, o cabide que tinha uma estampa de "zebra", ficava no lugar mais alto dos armários. Era uma espécie de troféu no lugar mais alto do pódio. Havia também o cabide mais simples de sua coleção, porém, o mais importante. O seu primeiro cabide tinha um cúpula própria, onde era guardado como um tesouro nacional. Ele era preto, com cabo de plástico, corpo de plástico, enfim, tudo feito de plástico. Seu formato era o mais comum possível. Ah, quer dizer, ele tinha o famoso espaço reservado para vestidos, por onde se coloca a alça. Roberto gostava desses tipos, pareciam mais charmosos. Aliás, Roberto era um tipo tão comum quanto aqueles milhares que passavam pelos prédios da Av. Paulista todos os dias. Com seu aspecto comum, vislumbrava as vitrines da R. Oscar Freire. Não em busca de uma roupa cara ou de uma jóia que deixaria qualquer madame de queixo caído. Buscava apenas cabides. Era freqüente o espanto das jovens atendentes, surpresas ao serem questionadas pelo preço do cabide, e não da roupa. Claro, não era uma tarefa fácil para Roberto, mas digamos que ele era um tipo esforçado. Não se dava por vencido de maneira alguma. Por vezes se viu frente a frente com gerentes, discutindo o preço de um cabide.

Roberto morava com sua mãe, Clotilde. A pobre anciã achava uma maluquice tremenda todo o esforço do filho. Para ela, cabides eram apenas cabides, pensamento quase que hereges na visão de Roberto. Certo dia, Roberto acordou e viu seus mais de quinhentos cabides todos espalhados pelo chão de seu quarto. Foi uma verdadeira tragédia grega. Sua mãe, no intuito de fazer o filho esquecer toda aquela besteira, chamou suas amigas e começou a fazer uma queima de estoque de cabides. Roberto, com a face púrpura, expulsou todas aquelas senhoras de sua casa como se fossem ladras. Pobre dona Clotilde, ficou mais de 1 ano sem falar com o filho.

Ao fim de dezembro passado, um fato triste aconteceu. Dona Clotilde, sem intenção de magoá-lo, pegou um cabide emprestado. Ora, Roberto ficou enraivecido ao ver a sua tão estimada cúpula aberta e ainda por cima sem o seu tesouro, o número um.

A cena mais marcante, dizem os policiais, foi o filho chorando ao corpo da mãe, assassinada por ele próprio. É uma pena na cadeia os dententos não poderem levar os seus armários.