domingo, 30 de dezembro de 2007

Risco de vida

Não era um dia qualquer na vida de Carlos. Sua vida dependia inteiramente de um importante fato. "E essa carta? Vem ou não vem?", pensava ele. Sua mulher também entrara na apreensão do marido, talvez apenas para não magoá-lo. Sabia que a carta não viria. Era fato. Volta e meia o marido vinha com uma maluquice dessas. Não havia nada que ela poderia dizer para acalmá-lo. Eram 13:00h. Ele esperaria até as 18:00h. Fora o prazo prometido. Mas e se não chegasse? O que faria? Os homens não disseram nada no caso da carta não chegar. E se sem querer houvesse uma confusão nos correios e a carta se perdesse mundo afora? E se o porteiro guardasse a carta e entregasse só amanhã? Ele ligaria para a portaria de 5 em 5 minutos perguntando se algo chegou em seu nome. Ele tentou ligar novamente para aqueles homens. Nada, caixa postal. Tentou diversas vezes e nada. Já eram 14:00. Ele não parava sentado. Já estava suando. Pegou outro cigarro, acendeu. andava pela casa inteira. Sempre em silêncio. É claro que não ousou contar para a mulher do que se tratava a carta. Ela teria um ataque. Preferiu manter em silêncio o conteúdo. Tem coisas que não devem entrar na vida conjugal, pensava ele. E de fato, seria melhor não contar. Talvez se revelasse a situação, poderia botá-la em perigo. Quinze pras três. Já se fora um maço inteiro. "Ora, acalme-se! Não pode ser tão grave assim!", dizia a esposa. Mal imaginava ela o quão grave era. Talvez mais que vidas estavam em risco. Arriscou ligar para os correios para saber se havia algo que pudesse fazer. Ir buscar a carta. Mas nada, foi chamado de louco pela atendente. Logo desistiu da idéia. Saiu à rua (claro que deixara a mulher encarregada de receber a correpondência), e foi procurar algum carteiro perambulândo pela rua. Nada também. já eram 17:00h quando voltou pra casa. Esperou ansiosamente. Cada minuto era um pouco de esperança indo embora. Enfim 18:00h. Deu-se por vencido. E agora? O que faria? Eis que o corpo dá um sinal de vida! O Interfone toca: Era o porteiro anunciando a chegada de uma correspodência. Ele desceu as escadas pulando de 2 em 2 degraus. Chegou, pegou a carta, assinou a prancheta e subiu. Abriu a porta, sentou-se. Deu um suspiro e abriu o envelope. Leu a carta inteira. Eram duas folhas. Quando terminou de ler, leu outra vez. Parecia mais calmo. Sua esposa estava roendo as unhas desesperadamente. Então o marido pegou a carta, rasgou-a em diversos pedacinhos, jogou-os num pires, fez um montinho bem bonitinho, acendeu um fósforo e jogou no montinho. "Pronto, agora posso dormir em paz". Disse boa noite à esposa, que não entendeu nada, deitou-se e dormiu feito um anjo, agora com a consciência limpa.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Adolescente

É mais ou menos como ler um livro. Você cria uma expectativa enorme em cima daquelas descrições fantásticas feitas por outras pessoas. Então você mergulha de cabeça naquela história fantástica, que quando chega na página 10 é o maior romance da história da humanidade. Já na página 100, você vê que não era tudo aquilo que você esperava. Pensa, pensa, chega a querer parar. Mas ai a curiosidade é maior que a preguiça. Você vai em frente e meio de cara amarrada se envolve com a história, com seus heróis e vilões, com suas perspectivas e lições. E quando termina, você pensa o quão tolo foi de querer parar na metade. Pensa em quanto conhecimento e diversão perderia. E agora trata de contar a alguém que o livro é ótimo, começando assim um ciclo.
Enfim, desculpem-me a audácia, mas ser adolescente é quase (eu disse quase) como ler um livro. Guardadas as proporções, um adolescente é tão inconstante quanto um leitor diante de um livro suspeito. Seja por um amor não correspondido, seja por uma discussão mal resolvida ou qualquer desses "males" que fazem da vida deles um "inferno", o adolescente pensar ter o direito de dizer que sua vida é mais importante que a de outros! "Ora, quanta bobagem!" pensaria um adulto em um momento desses, mas é exatamente assim que os aborre... perdão, os adolescentes pensam. Agora, de volta à minha audaciosa analogia, vemos que é nesse momento, o momento da fraqueza, que o adolescente deve ter o devido apoio. A vontade de conhecer novos desafios deve ser mantida. A vida apresenta obstáculos e estes devem ser superados, como o caso do nosso leitor, que não desiste e lê o livro até o final. E em ambos os casos, quando terminada a fase da vida ou o livro, é sempre a mesma história: "Você tem que ver como era bom!"

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Geografia

Não é todo dia que se encontra aquela pessoa ideal. Clichê? Sim, mas o fato é que essa pessoa ideal é uma busca incessante no nosso dia-a-dia. Quantas vezes já não nos deparamos frente à pessoa que gostamos com a cara embasbacada pelo seu olhar, ou até mesmo pelas suas palavras que saem da boca como uma sinfonia aos nossos ouvidos. É essa maravilha que faz os seres humanos buscarem sua alma gêmea, sua cara-metade. Não há mais belo sentimento que esse. E não há pecado mais grave do que acabar com a beleza desse sentimento. Mas tem vezes que quem comete esse pecado é a geografia. Maldito aquele que inventou a distância, dizem alguns. Ora, será certa essa afirmação? A geografia não tem culpa de nada. Ninguém tem. Amor que floresce assim é fatal, atinge como uma bala atinge uma vítima, não há saída. E no fim os dois lados saem machucados. Ou não. Quando a barreira da distância é vencida, parece que tudo fica perfeito. Novamente, errado. Algumas vezes a distância é melhor do que a proximidade. Ora, mas quem liga pra isso quando se está junto? O importante é não botar a culpa na geografia. A não ser que ela tenha te reprovado algum dia...

sábado, 17 de novembro de 2007

Bariloche

Havia preparado as malas desde a semana anterior. Não que houvesse tanta coisa assim, mas ela era uma mulher prevenida. Cuidou de tudo com meses de antecedência. Não deixou nenhum detalhe escapar. Passagem, hospedagem, alimentação, transporte, lazer... Estava tudo dentro do previsto. Iriam de primeira classe, ficariam no melhor hotel "cinco estrelas", almoçariam e jantariam durante os dez dias em vinte restaurantes diferentes. Trafegariam de um lugar ao outro por meio de um carro alugado, último tipo. Passariam dias maravilhosos esquiando, assistindo jogos de inverno, enfim, passariam férias inesquecíveis na Bariloche dos sonhos. Luciana esperava há tanto tempo por esse dia que nem fora trabalhar na última quinzena, tão ansiosa estava. O marido, César, tinha esperanças de que o estresse da mulher acabasse ao chegarem no Check-In. Ele não aguentava mais as chateações da mulher. Certo dia, César, que tem a mãe muito doente, foi obrigado a ficar em casa ao querer visitá-la. Luciana dissera que César não podia sequer pensar em ficar doente, pois isso acabaria com as férias do sonhos.
Ricardo, filho do casal, ficara surpreso com a mãe. Nunca a vira em tal estado. Suas precauções eram maníacas. O garoto não podia mais sair de casa, conversar com os amigos. Tudo virava um motivo para que pudesse trazer um problema para a viagem:
- Na casa do Felipe? Nem pensar, aquele garoto vive doente!
- Jogar futebol no final-de-semana? Você está maluco? E se você quebra uma perna, como vamos viajar com você engessado?
- Mas mãe...
- Sem "mas", fique dentro do seu quarto e não jogue muito vídeo-game. Suas vistas podem se cansar.
A casa da família virara um tormento nos últimos dias. Mas, quando pensavam bem, todos viam que tanto cuidado surtiria efeito. As férias certamente seriam magníficas. Porém, quando a esmola é muita...
- Mãe...
- Sim, querido?
- A senhora lembra que havia lhe dito alguma coisa sobre o professor de matemática?
- Não, o que exatamente?
- Pois bem, vou ser franco com a senhora! Ele me deixou retido por míseros 5 pontos! Certamente ele não quer que viajemos, pois disse que vou ter de fazer os exames de recuperação final! Mamãe? PAPAI, A MAMÃE DESMAIOU!

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Logística

Se existe algo no mundo que deixa qualquer um a ponto de explodir de raiva é ir para o serviço. Se você ainda não trabalha, pense na seguinte situação: você chega, bate cartão, ouve o chefe reclamar, almoça com um pessoal chato, volta, trabalha mais um pouco, e enfim, bate cartão e volta. Porém, o grande adendo que faço não é para essa rotina de serviço. O que talvez deixe as pessoas mais nervosas é a logística envolvida no processo. Imagine, pegar o metrô lotado, plenas 7:00h da manhã. Ou enfrentar o trânsito das metrópoles. É de deixar qualquer cidadão em estado de estresse profundo. Talvez um dia exista terapia especial para isso. Você senta no divã, vê aqueles quadros todos, que normalmente são de frutas ou pinturas abstratas, agora substituídos por um vagão de metrô vazio. Então enfim chega o examinador. Ele pergunta qual o seu horário de serviço, a distância da sua casa até o local, no que você pensa durante o trajeto... e você sai de lá confuso, mas parece que pegar aquele trem já não te assusta tanto quanto antes. Você passa agora a examinar as pessoas. O jovem ouvindo música, o senhor passeando à deriva, o pedinte que joga o pacote de balas no teu colo, o rapaz desacostumado que quase cai quando o trem dá a partida. O que são aquelas pessoas, o que elas fazem, o que elas pensam? Você é só mais um naquele meio, qual a sua importância? Você passa a perceber que é só mais uma peça do sistema. Ora, você não deixa de ser importante, mas é que agora você encara a coisa por outro ângulo. Imagine a vida de um maquinista de trem. Será que ele se sente sozinho? O mundo à sua frente, tão perto, mas tão distante. Ele deve ser o homem mais incapaz do mundo, não pode sair da trajetória que lhe é designada.
Até que o trem para, você desce na estação, chega no serviço e tudo começa novamente.
Quando isso acontecer, não se sinta culpado, é só um problema de logística.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Tempo Perdido

Ele estava ficando nervoso. O relógio corria a sua frente. Corria, claro, modo de dizer. Quando não havia nada a fazer, parecia que o relógio se tornava seu inimigo. Rogério certa vez chegou a comparar seu relógio de pulso com o de parede, pra tentar descobrir a grande trama que lhe estavam armando. Mas não notou nada de anormal. Só conseguiu perceber que um segundo é muito tempo. Um segundo, um sobre sessenta avos de minuto. Mas aquele não era o pensamento de Rogério naquele momento. Sentando na sua poltrona, só queria que algo acontecesse. Olhava as paredes, os quadros, a foto da tia Magda. Lembrou-se da última festa de família. Estava cansado de eventos como aquela festa. Chegava, cumprimentava todos com aquele sorriso amarelo, dava um presente comprado de última hora para o aniversariante, sentava, tomava uma cerveja, duas quem sabe, ouvia o tio Horácio contar como luxou o dedinho do pé enquanto jogava futebol no domingo e levava "tiros" da arminha d'água do sobrinho. Ai olhava pra esposa, e dizia:
-Já tá tarde bem, vamos?
-Só mais um pouco, não vamos fazer desfeita pra titia!
E ouvia mais algumas abobrinhas, discutia um pouco sobre futebol, afinal, ninguém é de ferro. Ou pelo menos nenhum homem.
-E a seleção? Tem jeito?
Era questão de tempo esperar essa pergunta. Ai logo alguém dizia que faltava um centro-avante, outro dizia que o Ronaldo não podia ficar de fora.
Até que vinha o ápice. Avistava a tia Magda com aquele potão de sorvete congelando. Ah, valera a pena esperar mais um pouquinho, talvez mais, mas o importante é que chegara o sorvete. Era só questão de tempo e a esposa diria:
-Amor, tá ficando tarde, vamos pra casa?
E enquanto todos comiam, silenciava-se a mesa e só ouviam-se os grunhidos e o tintilar das colheres nos potinhos.
Enfim, a mulher cedia e eles voltavam pra casa. Discutiam a conduta dos outros no caminho de volta, fofocavam, questionavam sobre a obesidade do Walter...
Rogério voltou o pensamento à sala e percebeu que um bom tempo havia passado. Então pensou: Até que essas festas não são tão ruins...

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Coleção

Não tinha salvação: Ele era um aficionado. Havia um em cada canto do seus armários. Sim, "seus" armários. Ele tinha mais de 5, separava cada um para um tipo de cabide. Os cabides eram dos mais diversos tamanhos e das mais variadas cores e modelos. Seu xodó, o cabide que tinha uma estampa de "zebra", ficava no lugar mais alto dos armários. Era uma espécie de troféu no lugar mais alto do pódio. Havia também o cabide mais simples de sua coleção, porém, o mais importante. O seu primeiro cabide tinha um cúpula própria, onde era guardado como um tesouro nacional. Ele era preto, com cabo de plástico, corpo de plástico, enfim, tudo feito de plástico. Seu formato era o mais comum possível. Ah, quer dizer, ele tinha o famoso espaço reservado para vestidos, por onde se coloca a alça. Roberto gostava desses tipos, pareciam mais charmosos. Aliás, Roberto era um tipo tão comum quanto aqueles milhares que passavam pelos prédios da Av. Paulista todos os dias. Com seu aspecto comum, vislumbrava as vitrines da R. Oscar Freire. Não em busca de uma roupa cara ou de uma jóia que deixaria qualquer madame de queixo caído. Buscava apenas cabides. Era freqüente o espanto das jovens atendentes, surpresas ao serem questionadas pelo preço do cabide, e não da roupa. Claro, não era uma tarefa fácil para Roberto, mas digamos que ele era um tipo esforçado. Não se dava por vencido de maneira alguma. Por vezes se viu frente a frente com gerentes, discutindo o preço de um cabide.

Roberto morava com sua mãe, Clotilde. A pobre anciã achava uma maluquice tremenda todo o esforço do filho. Para ela, cabides eram apenas cabides, pensamento quase que hereges na visão de Roberto. Certo dia, Roberto acordou e viu seus mais de quinhentos cabides todos espalhados pelo chão de seu quarto. Foi uma verdadeira tragédia grega. Sua mãe, no intuito de fazer o filho esquecer toda aquela besteira, chamou suas amigas e começou a fazer uma queima de estoque de cabides. Roberto, com a face púrpura, expulsou todas aquelas senhoras de sua casa como se fossem ladras. Pobre dona Clotilde, ficou mais de 1 ano sem falar com o filho.

Ao fim de dezembro passado, um fato triste aconteceu. Dona Clotilde, sem intenção de magoá-lo, pegou um cabide emprestado. Ora, Roberto ficou enraivecido ao ver a sua tão estimada cúpula aberta e ainda por cima sem o seu tesouro, o número um.

A cena mais marcante, dizem os policiais, foi o filho chorando ao corpo da mãe, assassinada por ele próprio. É uma pena na cadeia os dententos não poderem levar os seus armários.

domingo, 5 de agosto de 2007

Dia feliz

Faltou Frango, Nan.
Quem era no telefone, filhinho?
Pescarri?
PÃO!!!! SILÊNCIO!!!!
Bino, isso é uma cilada!
Se o Leonardo da vinte...
Vamo ouvi black sabbath?
Vo esfregar tua cara no asfalto!
Quer limão?
Ouve com a luz apagada!
Que luz?
Não vai sujar a minha parede!
Acordei babado!
Se gritar pega ladrão...
Vestido tomara-que-caia.
Uma vontade de bocejar...
Ca-Pi-Tu.
Se o Leonardo da vinte...
Tutu?
Olha o balão!
Não não não!!!
Sim sim sim!!!
Vo mijar...
caralho, faltou frango!!!
Quem?
Joga o dado...
Gol do Goiás!!!
da Germania para a Sardinia!
Você tem nome de imperador Romano!
To falando que faltou Sparta!
Vo mijar...
Se o leonardo da vinte...
Tem frango?
Vamo se droga?
Tem sorvete?
Ih, caiu a colher...
Hippy, Hippy, Hurra!!!
Noss...
Nelson Magela ou Geraldo Mandela?
To vendo tudo!!!
Mijou no chão!
Também, vai dormir 5 da manhã!
Vo mijar...