quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Tempo Perdido

Ele estava ficando nervoso. O relógio corria a sua frente. Corria, claro, modo de dizer. Quando não havia nada a fazer, parecia que o relógio se tornava seu inimigo. Rogério certa vez chegou a comparar seu relógio de pulso com o de parede, pra tentar descobrir a grande trama que lhe estavam armando. Mas não notou nada de anormal. Só conseguiu perceber que um segundo é muito tempo. Um segundo, um sobre sessenta avos de minuto. Mas aquele não era o pensamento de Rogério naquele momento. Sentando na sua poltrona, só queria que algo acontecesse. Olhava as paredes, os quadros, a foto da tia Magda. Lembrou-se da última festa de família. Estava cansado de eventos como aquela festa. Chegava, cumprimentava todos com aquele sorriso amarelo, dava um presente comprado de última hora para o aniversariante, sentava, tomava uma cerveja, duas quem sabe, ouvia o tio Horácio contar como luxou o dedinho do pé enquanto jogava futebol no domingo e levava "tiros" da arminha d'água do sobrinho. Ai olhava pra esposa, e dizia:
-Já tá tarde bem, vamos?
-Só mais um pouco, não vamos fazer desfeita pra titia!
E ouvia mais algumas abobrinhas, discutia um pouco sobre futebol, afinal, ninguém é de ferro. Ou pelo menos nenhum homem.
-E a seleção? Tem jeito?
Era questão de tempo esperar essa pergunta. Ai logo alguém dizia que faltava um centro-avante, outro dizia que o Ronaldo não podia ficar de fora.
Até que vinha o ápice. Avistava a tia Magda com aquele potão de sorvete congelando. Ah, valera a pena esperar mais um pouquinho, talvez mais, mas o importante é que chegara o sorvete. Era só questão de tempo e a esposa diria:
-Amor, tá ficando tarde, vamos pra casa?
E enquanto todos comiam, silenciava-se a mesa e só ouviam-se os grunhidos e o tintilar das colheres nos potinhos.
Enfim, a mulher cedia e eles voltavam pra casa. Discutiam a conduta dos outros no caminho de volta, fofocavam, questionavam sobre a obesidade do Walter...
Rogério voltou o pensamento à sala e percebeu que um bom tempo havia passado. Então pensou: Até que essas festas não são tão ruins...

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