sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Logística

Se existe algo no mundo que deixa qualquer um a ponto de explodir de raiva é ir para o serviço. Se você ainda não trabalha, pense na seguinte situação: você chega, bate cartão, ouve o chefe reclamar, almoça com um pessoal chato, volta, trabalha mais um pouco, e enfim, bate cartão e volta. Porém, o grande adendo que faço não é para essa rotina de serviço. O que talvez deixe as pessoas mais nervosas é a logística envolvida no processo. Imagine, pegar o metrô lotado, plenas 7:00h da manhã. Ou enfrentar o trânsito das metrópoles. É de deixar qualquer cidadão em estado de estresse profundo. Talvez um dia exista terapia especial para isso. Você senta no divã, vê aqueles quadros todos, que normalmente são de frutas ou pinturas abstratas, agora substituídos por um vagão de metrô vazio. Então enfim chega o examinador. Ele pergunta qual o seu horário de serviço, a distância da sua casa até o local, no que você pensa durante o trajeto... e você sai de lá confuso, mas parece que pegar aquele trem já não te assusta tanto quanto antes. Você passa agora a examinar as pessoas. O jovem ouvindo música, o senhor passeando à deriva, o pedinte que joga o pacote de balas no teu colo, o rapaz desacostumado que quase cai quando o trem dá a partida. O que são aquelas pessoas, o que elas fazem, o que elas pensam? Você é só mais um naquele meio, qual a sua importância? Você passa a perceber que é só mais uma peça do sistema. Ora, você não deixa de ser importante, mas é que agora você encara a coisa por outro ângulo. Imagine a vida de um maquinista de trem. Será que ele se sente sozinho? O mundo à sua frente, tão perto, mas tão distante. Ele deve ser o homem mais incapaz do mundo, não pode sair da trajetória que lhe é designada.
Até que o trem para, você desce na estação, chega no serviço e tudo começa novamente.
Quando isso acontecer, não se sinta culpado, é só um problema de logística.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Tempo Perdido

Ele estava ficando nervoso. O relógio corria a sua frente. Corria, claro, modo de dizer. Quando não havia nada a fazer, parecia que o relógio se tornava seu inimigo. Rogério certa vez chegou a comparar seu relógio de pulso com o de parede, pra tentar descobrir a grande trama que lhe estavam armando. Mas não notou nada de anormal. Só conseguiu perceber que um segundo é muito tempo. Um segundo, um sobre sessenta avos de minuto. Mas aquele não era o pensamento de Rogério naquele momento. Sentando na sua poltrona, só queria que algo acontecesse. Olhava as paredes, os quadros, a foto da tia Magda. Lembrou-se da última festa de família. Estava cansado de eventos como aquela festa. Chegava, cumprimentava todos com aquele sorriso amarelo, dava um presente comprado de última hora para o aniversariante, sentava, tomava uma cerveja, duas quem sabe, ouvia o tio Horácio contar como luxou o dedinho do pé enquanto jogava futebol no domingo e levava "tiros" da arminha d'água do sobrinho. Ai olhava pra esposa, e dizia:
-Já tá tarde bem, vamos?
-Só mais um pouco, não vamos fazer desfeita pra titia!
E ouvia mais algumas abobrinhas, discutia um pouco sobre futebol, afinal, ninguém é de ferro. Ou pelo menos nenhum homem.
-E a seleção? Tem jeito?
Era questão de tempo esperar essa pergunta. Ai logo alguém dizia que faltava um centro-avante, outro dizia que o Ronaldo não podia ficar de fora.
Até que vinha o ápice. Avistava a tia Magda com aquele potão de sorvete congelando. Ah, valera a pena esperar mais um pouquinho, talvez mais, mas o importante é que chegara o sorvete. Era só questão de tempo e a esposa diria:
-Amor, tá ficando tarde, vamos pra casa?
E enquanto todos comiam, silenciava-se a mesa e só ouviam-se os grunhidos e o tintilar das colheres nos potinhos.
Enfim, a mulher cedia e eles voltavam pra casa. Discutiam a conduta dos outros no caminho de volta, fofocavam, questionavam sobre a obesidade do Walter...
Rogério voltou o pensamento à sala e percebeu que um bom tempo havia passado. Então pensou: Até que essas festas não são tão ruins...